terça-feira, 23 de julho de 2013

Só me calham filmes!


Fodasse eu não sou psicóloga, mas às vezes gostava mesmo de o ser.
O primo do mais-que-tudo tem problemas ao nível da psique e deixou de tomar a medicação. Ao invés dela a ganza estava em alta (ai e tal é medicinal...ai e tal acalma-me...ai e tal uma merda, embora seja das drogas mais leves interfere com o cérebro e despoleta-lhe alucinações), foi assim que ele fritou a pipoca, a altas horas da noite começou aos berros, com visões e a insultar tudo e todos, na varanda e dentro de casa, num modo agressivo e ordinário. Foi internado em psiquiatria e assim esteve durante uma semana. Na sexta de manhã foi-lhe dada alta pois ele tinha um discurso do mais inteligente que se poderia ouvir daquela parte, tinha planos para o futuro e estava disposto a tudo para ficar bom.
Assim que se viu cá fora foi direitinho ao ponto comprar haxixe. Fumou e virou outro: violento nas palavras, momentos de loucura misturados com os de lucidez. Eu pensei que nesse dia iria ter um jantar descansado na mãe do mais-que-tudo e que no final fossemos à feira do Artesanato do Estoril...enganei-me. Quando lá cheguei deparei-me com o desespero de 3 mulheres que não sabiam o que lhe fazer...entretanto chegou o pai dele. À mãe mandou-a para casa, à tia mandou-a foder, ao pai mandou-o para o caralho diversas vezes e à outra tia (a minha sogrinha) não perdeu o pouco respeito que lhe tem. Ele queria fumar, fumar e beber água.
Eu fiz-lhe a vontade, dei-lhe murtalhas e enquanto ele fumava a sua ganza eu fumava o meu tabaco de enrolar. Na varanda. E ali ficámos na conversa, eu estava na boa com ele e ele falava de tudo, trocou de assunto umas trinta vezes. Desde cultura e história, ao sexo e sadismo. Desde a morte à psicanálise. Foi buscar um livro sobre a psicanálise e ele sabia-o de cor. À televisão, desligou-a da ficha pois todos os barulhos lhe faziam confusão. Ao vizinho de cima que tossia, mandava-o para o caralho e dizia-lhe que lhe ía arrancar os olhos. Ele queria era fumar, fumar e beber água. Num aspecto escanzelado, magro e com barba enorme por fazer. O olhar era profundo.
Veio a ambulância, ele mandou-os para o caralho e pediu um colete de forças, caso contrário matava-se. Tinha uma tesoura de cozinha espetada no vaso das flores. (Eu cá sempre ouvi dizer que quem muito ameaça, nada faz).
Eu fazia-lhe perguntas, ele dizia que me respondia a tudo o que eu quisesse saber. Dizia vezes sem conta que não queria continuar a viver no Nim. Na incerteza da vida cá fora e alucinações, na medicação diária, ou muito menos internado. Queria a família reunida e que decidissem uma solução. Queria que um médico lhe explicasse qual a sua doença. É mental mas é o quê? Esquizofrenia? Pulsão? Neurose? Ele sabia as respostas todas, mas queria que um médico lho dissesse. Sabe Freud da frente para trás...incrível.
Veio a policia. Ele disse-me: não me tentes, por favor, eu não te quero magoar porque eu gosto muito de ti. E nisto desatou a chorar. Eu fiquei nervosa tive de sair, fui à porta e comecei a descer as escadas impulsivamente rumo à rua. A minha sogra entrou e foi para a varanda ter com ele. Eu ouvi-a e então voltei para trás, subi de novo as escadas e fui ter com eles. Não a poderia deixar sozinha com ele assim. Estivemos lá as duas, ela saiu para fazer o update ao pai, bombeiros e policia, a noite caía e eu continuava a conversar com ele.
Às tantas eu rezava para que o mais-que-tudo chegasse, estava em pulgas mas não lhe podia ligar. Nisto pareceu-me que o primo me leu os pensamentos e começou a falar do meu amor e mais uma vez chorou...e num espaço de 2 segundos lá me apareceu o homem, os meus olhos brilharam de alivio. Ele sentou-se ao meu lado e os três continuamos a conversar. Mas não poderíamos estar ali a noite toda, alguém tinha de agir.
Os policias tentaram meter conversa e ele só lhes perguntava se podia fumar ganzas, se não pudesse mandava todos para o caralho. Foi aí que o meu homem deu-lhe dois berros. Não mostrou medo, fez-lhe frente (sempre sentados) chamou-o à razão, não podia faltar ao respeito às autoridades assim sem mais nem menos. Ao que ele lhe respondeu: "sai daqui, não te quero fazer mal, basa que eu estava feliz a conversar com ela. Se não mato-me." A minha sogra estava em pânico dentro de casa agarrada pelo irmão, à espera do pior... Mas mais uma vez o meu querido chamou-o à terra, e como que por magia ele levantou-se e disse que sim, ia para o hospital de livre vontade. Ia ser internado.
Assim foi e o pesadelo do momento terminou. Ficou a varanda suja de tabaco, garrafas de água e uma tesoura camuflada de flor. Ficou um vazio em casa um ar sombrio que pairava.
Fodasse, quando a gente pensa que teve um dia mau...há pessoas que têm pior...há dias que custam a acabar...no fio da navalha a vida pode-se perder ou ganhar...




10 comentários:

  1. Que situação!!! Não entendo porque as pessoas fazem isso, deixam de tomar medicações que as mantêm minimamente normais, mas pronto. Ainda bem que ele não fez mal a ninguém, se bem que essa sua atitude bruta e a faltar ao respeito aos familiares dói, por vezes mais que uma chapada. As melhoras para ele.

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  2. Bolas. Que cena. Daquelas que parece que só acontecem os outros mas que um dia nos toacm a nós.
    As melhoras do rapaz.

    bjs

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  3. Há dias desses assim maus e imprevisíveis...nada a fazer...acho que no meio de tudo o que se passou estiveste muito bem a aguentar o barco...!
    Bjs
    Maria

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  4. nem consigo imaginar tal cenário :/

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  5. Ai mulher, que coisa tão incómoda... imagino o teu nervosismo.

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  6. Que cena!!!
    Mas estou aqui a pensar e nestas coisas como sabes posso me alongar...
    Eu não só médica mas cheira-me a que ele é um bipolar numa crise de mania enorme e completamente psicótico. Mas sinceramente custa-me a crer que lhe tivessem dado assim alta. Ele não terá pedido alta e assinado o termo de responsabilidade? Isso é possível e num dos internamentos da minha mãe soube de um psicótico "toxicodependente", que saiu assim, contra a vontade médica.
    Quanto à toma da medicação, vou "explicar" uma coisa: quando alguém com doença psiquiátrica se sente bem (em bipolares a entrarem em mania é comum), deixam de tomar a medicação precisamente por isso. Sentem-se bem,acham que a medicação já não é necessária, ou que não "faz nada" e deixam assim do pé para a mão. As consequências são as que se sabem, as que viste nesse dia. E um internamento em casos desses nunca é menos do que duas semanas. E essa história de quererem saber o que têm e essas chamadas de atenção com o mato-me são de alguém com uma personalidade manipuladora, histriónica, dependente. Uma coisa muito boa....

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    1. Inês, o médico disse-lhe que é obsessivo/compulsivo entre outras coisas...ele iludiu-o bem com um discurso super inteligente e disse ao médico o que este queria ouvir para que lhe desse alta. Agora está quase "preso" no internamento pois já foi violento lá dentro...quando sair fica responsável por ir às consultas e medicações, se faltar a alguma vão-no buscar a casa...no entanto o internamento é uma opção para os próximos tempos...vamos ver :(
      Em relação a ele ter parado os medicamentos: sente-se melhor, pensa que a ganza é alternativa emagreceu, sentiu-se mais bonito e talvez tenha voltado a virilidade. A questão sexual da coisa é importante na medida em que se ele não consegue ter sexo, passa-se da cabeça mais um pouco...
      Eu tentei explicar-lhe que o suicídio não é alternativa...mas em vão...

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  7. A filha de uma senhora amiga da família tinha problemas psicológicos e quando tinha crises também ia para a varanda (um 7º andar) gritar e asneirar. A única pessoa que a conseguia acalmar era a minha mãe. Há pessoas - como tu e a minha mãe - que têm essa capacidade de acalmar.

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