Fodasse eu não sou psicóloga, mas às vezes gostava mesmo de o ser.
O primo do mais-que-tudo tem problemas ao nível da psique e deixou de tomar a medicação. Ao invés dela a ganza estava em alta (ai e tal é medicinal...ai e tal acalma-me...ai e tal uma merda, embora seja das drogas mais leves interfere com o cérebro e despoleta-lhe alucinações), foi assim que ele fritou a pipoca, a altas horas da noite começou aos berros, com visões e a insultar tudo e todos, na varanda e dentro de casa, num modo agressivo e ordinário. Foi internado em psiquiatria e assim esteve durante uma semana. Na sexta de manhã foi-lhe dada alta pois ele tinha um discurso do mais inteligente que se poderia ouvir daquela parte, tinha planos para o futuro e estava disposto a tudo para ficar bom.
Assim que se viu cá fora foi direitinho ao ponto comprar haxixe. Fumou e virou outro: violento nas palavras, momentos de loucura misturados com os de lucidez. Eu pensei que nesse dia iria ter um jantar descansado na mãe do mais-que-tudo e que no final fossemos à feira do Artesanato do Estoril...enganei-me. Quando lá cheguei deparei-me com o desespero de 3 mulheres que não sabiam o que lhe fazer...entretanto chegou o pai dele. À mãe mandou-a para casa, à tia mandou-a foder, ao pai mandou-o para o caralho diversas vezes e à outra tia (a minha sogrinha) não perdeu o pouco respeito que lhe tem. Ele queria fumar, fumar e beber água.
Eu fiz-lhe a vontade, dei-lhe murtalhas e enquanto ele fumava a sua ganza eu fumava o meu tabaco de enrolar. Na varanda. E ali ficámos na conversa, eu estava na boa com ele e ele falava de tudo, trocou de assunto umas trinta vezes. Desde cultura e história, ao sexo e sadismo. Desde a morte à psicanálise. Foi buscar um livro sobre a psicanálise e ele sabia-o de cor. À televisão, desligou-a da ficha pois todos os barulhos lhe faziam confusão. Ao vizinho de cima que tossia, mandava-o para o caralho e dizia-lhe que lhe ía arrancar os olhos. Ele queria era fumar, fumar e beber água. Num aspecto escanzelado, magro e com barba enorme por fazer. O olhar era profundo.
Veio a ambulância, ele mandou-os para o caralho e pediu um colete de forças, caso contrário matava-se. Tinha uma tesoura de cozinha espetada no vaso das flores. (Eu cá sempre ouvi dizer que quem muito ameaça, nada faz).
Eu fazia-lhe perguntas, ele dizia que me respondia a tudo o que eu quisesse saber. Dizia vezes sem conta que não queria continuar a viver no Nim. Na incerteza da vida cá fora e alucinações, na medicação diária, ou muito menos internado. Queria a família reunida e que decidissem uma solução. Queria que um médico lhe explicasse qual a sua doença. É mental mas é o quê? Esquizofrenia? Pulsão? Neurose? Ele sabia as respostas todas, mas queria que um médico lho dissesse. Sabe Freud da frente para trás...incrível.
Veio a policia. Ele disse-me: não me tentes, por favor, eu não te quero magoar porque eu gosto muito de ti. E nisto desatou a chorar. Eu fiquei nervosa tive de sair, fui à porta e comecei a descer as escadas impulsivamente rumo à rua. A minha sogra entrou e foi para a varanda ter com ele. Eu ouvi-a e então voltei para trás, subi de novo as escadas e fui ter com eles. Não a poderia deixar sozinha com ele assim. Estivemos lá as duas, ela saiu para fazer o update ao pai, bombeiros e policia, a noite caía e eu continuava a conversar com ele.
Às tantas eu rezava para que o mais-que-tudo chegasse, estava em pulgas mas não lhe podia ligar. Nisto pareceu-me que o primo me leu os pensamentos e começou a falar do meu amor e mais uma vez chorou...e num espaço de 2 segundos lá me apareceu o homem, os meus olhos brilharam de alivio. Ele sentou-se ao meu lado e os três continuamos a conversar. Mas não poderíamos estar ali a noite toda, alguém tinha de agir.
Os policias tentaram meter conversa e ele só lhes perguntava se podia fumar ganzas, se não pudesse mandava todos para o caralho. Foi aí que o meu homem deu-lhe dois berros. Não mostrou medo, fez-lhe frente (sempre sentados) chamou-o à razão, não podia faltar ao respeito às autoridades assim sem mais nem menos. Ao que ele lhe respondeu: "sai daqui, não te quero fazer mal, basa que eu estava feliz a conversar com ela. Se não mato-me." A minha sogra estava em pânico dentro de casa agarrada pelo irmão, à espera do pior... Mas mais uma vez o meu querido chamou-o à terra, e como que por magia ele levantou-se e disse que sim, ia para o hospital de livre vontade. Ia ser internado.
Assim foi e o pesadelo do momento terminou. Ficou a varanda suja de tabaco, garrafas de água e uma tesoura camuflada de flor. Ficou um vazio em casa um ar sombrio que pairava.
Fodasse, quando a gente pensa que teve um dia mau...há pessoas que têm pior...há dias que custam a acabar...no fio da navalha a vida pode-se perder ou ganhar...
Que situação!!! Não entendo porque as pessoas fazem isso, deixam de tomar medicações que as mantêm minimamente normais, mas pronto. Ainda bem que ele não fez mal a ninguém, se bem que essa sua atitude bruta e a faltar ao respeito aos familiares dói, por vezes mais que uma chapada. As melhoras para ele.
ResponderEliminarBolas. Que cena. Daquelas que parece que só acontecem os outros mas que um dia nos toacm a nós.
ResponderEliminarAs melhoras do rapaz.
bjs
Caramba, que cena.
ResponderEliminarHá dias desses assim maus e imprevisíveis...nada a fazer...acho que no meio de tudo o que se passou estiveste muito bem a aguentar o barco...!
ResponderEliminarBjs
Maria
Possa, que situação :| Força!
ResponderEliminarnem consigo imaginar tal cenário :/
ResponderEliminarAi mulher, que coisa tão incómoda... imagino o teu nervosismo.
ResponderEliminarQue cena!!!
ResponderEliminarMas estou aqui a pensar e nestas coisas como sabes posso me alongar...
Eu não só médica mas cheira-me a que ele é um bipolar numa crise de mania enorme e completamente psicótico. Mas sinceramente custa-me a crer que lhe tivessem dado assim alta. Ele não terá pedido alta e assinado o termo de responsabilidade? Isso é possível e num dos internamentos da minha mãe soube de um psicótico "toxicodependente", que saiu assim, contra a vontade médica.
Quanto à toma da medicação, vou "explicar" uma coisa: quando alguém com doença psiquiátrica se sente bem (em bipolares a entrarem em mania é comum), deixam de tomar a medicação precisamente por isso. Sentem-se bem,acham que a medicação já não é necessária, ou que não "faz nada" e deixam assim do pé para a mão. As consequências são as que se sabem, as que viste nesse dia. E um internamento em casos desses nunca é menos do que duas semanas. E essa história de quererem saber o que têm e essas chamadas de atenção com o mato-me são de alguém com uma personalidade manipuladora, histriónica, dependente. Uma coisa muito boa....
Inês, o médico disse-lhe que é obsessivo/compulsivo entre outras coisas...ele iludiu-o bem com um discurso super inteligente e disse ao médico o que este queria ouvir para que lhe desse alta. Agora está quase "preso" no internamento pois já foi violento lá dentro...quando sair fica responsável por ir às consultas e medicações, se faltar a alguma vão-no buscar a casa...no entanto o internamento é uma opção para os próximos tempos...vamos ver :(
EliminarEm relação a ele ter parado os medicamentos: sente-se melhor, pensa que a ganza é alternativa emagreceu, sentiu-se mais bonito e talvez tenha voltado a virilidade. A questão sexual da coisa é importante na medida em que se ele não consegue ter sexo, passa-se da cabeça mais um pouco...
Eu tentei explicar-lhe que o suicídio não é alternativa...mas em vão...
A filha de uma senhora amiga da família tinha problemas psicológicos e quando tinha crises também ia para a varanda (um 7º andar) gritar e asneirar. A única pessoa que a conseguia acalmar era a minha mãe. Há pessoas - como tu e a minha mãe - que têm essa capacidade de acalmar.
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